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Crônica: Entre Frascos e Esperas

Foto do escritor: High Social Canabis ClubHigh Social Canabis Club

(Cena: Uma sala de espera modesta, com cadeiras de plástico e um ventilador barulhento. Dois pacientes aguardam atendimento em uma associação de cannabis medicinal. O relógio marca 14h35. O primeiro paciente, Jonas, mexe no celular, enquanto Carla, ao lado, observa a recepção com expressão cética.)





Jonas: Essa demora tá cada vez pior… Nem sei mais se vale a pena vir aqui.


Carla: É, já faz quarenta minutos que estamos esperando. E olha que já fui em várias associações… O problema não é a fila, é o descaso.


Jonas: Você frequenta há muito tempo?


Carla: Oito anos. Passei por umas três associações diferentes. No começo, o atendimento era mais humano, sabe? Agora virou quase um self-service. Você pega o óleo, paga e sai. Ninguém mais acompanha o paciente direito.


Jonas: Concordo. Acho que muita gente entrou no meio só pelo dinheiro. Antes, os médicos estavam mais envolvidos, davam atenção. Agora, se precisar de ajuste na dosagem ou qualquer orientação, boa sorte.


Carla: Exatamente! E o pior é a falta de regularidade. Um mês tem, no outro falta. Quando chega, a qualidade já não é a mesma. Como confiar num tratamento assim?


Jonas: Pois é. O óleo que recebo hoje é bem diferente do de três anos atrás. O cheiro, a textura, até o efeito… Se fosse remédio convencional, isso jamais aconteceria.


Carla: E o mais revoltante? Quando reclamamos, dizem que é o que tem. Como se estivéssemos pedindo favor, não um tratamento de saúde!


Jonas: E o pior é que muitos pacientes nem percebem essas mudanças. Acham que o corpo acostumou ou que a doença piorou, mas, na verdade, é a qualidade que caiu.


Carla: Sim! E eu não fundei nenhuma associação justamente por isso. Não foi por falta de opções, mas porque não via comprometimento real com os pacientes. No início, algumas até pareciam promissoras, mas com o tempo… Decepcionantes.


Jonas: Eu cheguei a pensar em me associar a uma nova, mas quando vi que os problemas se repetiam, desisti. Se não há regularidade, se não há comprometimento, como confiar?


Carla: Aí está a questão. A cannabis medicinal no Brasil virou um mercado, e os pacientes foram ficando em segundo plano. O que antes era um movimento por saúde virou uma disputa por quem consegue mais associados.


Jonas: Triste realidade… E o que podemos fazer? Porque depender só de associações tá cada vez mais difícil.


Carla: Boa pergunta. Talvez pressionar mais, exigir transparência. Se as associações não se comprometem, talvez seja hora de buscar alternativas.

Jonas: Mas quais? Cultivo próprio? HC?


Carla: Pode ser um caminho. Eu já estou considerando. Porque do jeito que está, continuamos à mercê de um sistema falho.


(Uma atendente chama Jonas. Ele suspira, se levanta e aperta a mão de Carla antes de ir até o balcão. Ela cruza os braços e observa o relógio. Mais cinco minutos se passaram, e nada mudou.)


(Cena: Uma cafeteria próxima. Carla e Jonas continuam a conversa, agora sobre outro problema que enfrentam.)





Jonas: Você lembra quando começaram a permitir a importação de flores? Parecia que, finalmente, íamos ter um tratamento decente.


Carla: Sim! Eu mesma consegui importar por um tempo. Era caro, mas ao menos tinha qualidade e garantia. Agora, estamos de novo na mão das associações, pagando preços absurdos por algo que nem chega perto do que tínhamos.


Jonas: Pois é. Eles cobram preços abusivos por flores que, sinceramente, parecem coisa de biqueira. E quem precisa da medicação correta todo mês? Fica sem!


Carla: E o pior é que falam que o preço tá alto por causa da burocracia, dos impostos, mas é difícil acreditar que toda essa diferença seja só por isso.


Jonas: Exatamente. E aí, quem tem dinheiro consegue manter o tratamento. Quem não tem, sofre. Como se já não bastasse ter uma doença crônica, agora tem que lutar pra conseguir o que precisa pra viver com dignidade.


Carla: No fim, é a mesma história de sempre. Cannabis medicinal virou mercado de luxo. Quem realmente precisa, fica sem acesso.


Jonas: E reclamar adianta? Eles só dizem que estão “fazendo o possível”, mas a gente sabe que tem muita coisa errada por trás disso.


Carla: Pois é. Talvez esteja na hora de voltar a lutar por cultivo próprio. Porque dependendo das associações, a gente tá ferrado.


(Os dois trocam olhares, percebendo que a única saída pode ser retomar a luta que um dia já parecia vencida.)

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